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Como o Plano Real, idealizado por mineiros, nasceu há 30 anos e acabou com a hiperinflação

“O real é conquista de todo o povo brasileiro, exausto das injustiças da inflação”, disse Itamar Franco no lançamento da moeda

Como o Plano Real, idealizado por mineiros, nasceu há 30 anos e acabou com a hiperinflação
Por: otempo.com
postado em 01 de julho de 2024

Símbolo da nação brasileira, assim como a bandeira e o hino, o real nasceu há exatos 30 anos, no dia 1º de julho de 1994. Ele já chegou com o “peso” de ser a nona moeda oficial do Brasil, desde a Independência do país, e precedido por oito não tão bem-sucedidos brasões. Sob críticas de setores da economia, de políticos da época, de parte do setor produtivo privado e com a desconfiança da sociedade, o real tinha que provar que não era mais uma tentativa fadada ao fracasso para estabilizar a economia.

Como Plano Real, idealizado por mineiros, nasceu há 30 anos e acabou com a hiperinflação

O presidente Itamar Franco, acompanhado de ministros e lideranças políticas do Congresso, anuncia o Plano Real - Foto: Márcio Arruda/Folhapress arquivo

Muitas das críticas se embasavam no “insucesso” de seis planos emergenciais anteriores que foram substituídos: Cruzado 1 (fevereiro de 1986); Cruzado 2 (novembro de 1986); Bresser (junho de 1987); Verão (janeiro de 1989); Collor 1 (março de 1990) e Collor 2 (janeiro de 1991). Mas a moeda da efígie da República (a personificação do regime pela figura feminina presente na cédula) se transformou no estandarte da estabilidade econômica brasileira e marcou o fim da hiperinflação, que assolava o país havia décadas. 

Protagonista

A rubrica mineira estava em sua concepção. No lado político, o protagonista da criação da moeda era o então presidente da República e ex-governador de Minas Gerais, Itamar Franco, que escalou os principais nomes para a condução do Plano Real. Do lado econômico e técnico, entre brilhantes e renomadas personalidades, estava o mineiro, de Lambari, Edmar Bacha, economista de grande formação e ex-presidente do IBGE e BNDES. 

Foi ele um dos idealizadores do projeto da nova moeda, em 1993, ao rascunhar seus pilares em um papelzinho azul enquanto esperava em uma sala de apartamento uma reunião em Brasília com Fernando Henrique Cardoso, ministro da Fazenda na época. O sucesso da moeda depois do lançamento fez FHC ser eleito (1994) e reeleito (1998) presidente da República. 

Como Plano Real, idealizado por mineiros, nasceu há 30 anos e acabou com a hiperinflação

O real é a mais longeva moeda da história do Brasil independente. A posição foi alcançada em 2018, quando ultrapassou o cruzeiro, que durou 24 anos. Considerada toda a história do Brasil, o real só perde para os réis, que foram usados no país desde meados do período colonial até 1942, quando o cruzeiro o sepultou.  

Na certidão de nascimento do real consta a data de 1º de julho de 1994, mas a unidade monetária teve uma importante vida embrionária: a Unidade Real de Valor (URV), que fez a transição com a moeda anterior, o inflacionado cruzeiro real. Considerado um prodígio da engenharia econômica, o artifício, lançado quatro meses antes, permitiu que, aos poucos, a sociedade abandonasse a moeda desvalorizada e migrasse para um indexador estável. Todos os preços, salários e contratos passaram a ser denominados em URV, uma “moeda virtual”, que mantinha seu valor estável em relação ao dólar (1 =1).  

Em seu discurso de lançamento do real, em reunião ministerial no dia 1º de julho de 1994, Itamar Franco pediu a colaboração de políticos, empresários e toda a população para o sucesso da nova moeda. “Repito-lhes que o real é conquista política de todo o povo brasileiro, exausto das injustiças que a inflação agrava e disposto a fazer a pátria com a qual sonhavam os nossos antepassados. Só o povo, com a sua vigilância e seu empenho ético, poderá assegurar o êxito permanente”, disse.  

Obra coletiva 

O Plano Real, do qual resultou a moeda, foi uma obra coletiva, segundo Edmar Bacha. Além dele, contou com a colaboração de Pedro Malan, Gustavo Franco, André Lara Resende, Persio Arida, Winston Fritsch e outros, sob a coordenação política de FHC, que era o interlocutor dessa equipe técnica com o Planalto. Ligados ao PSDB, muitos deles viraram ministros ou presidentes de importantes autarquias depois do real.  

No livro “30 Anos do Real”, de Edmar Bacha, Pedro Malan e Gustavo Franco, este último escreve: “As circunstâncias (para o lançamento do real) foram sempre difíceis, dentro e fora do país. O enfrentamento e a polêmica, bem como a paciência e a consistência, foram marcas inequívocas desse trajeto. Nem Lula, nem Bolsonaro apoiaram esse projeto quando jovens, e não estavam sozinhos”. 

O fantasma da inflação, ou dragão (como simbolizado por chargistas), e os fracassos de planos anteriores fomentavam esse ceticismo em relação ao real. No seu lançamento, um dos partidos que mais criticaram o projeto da moeda foi o PT, que chamou o plano de “cruzado dos ricos”. Na época, o partido criticou o real por intuir que seu artífice de maior visibilidade seria a eleição de FHC. Hoje, poucos duvidariam que o fim da hiperinflação, que transferia renda para quem dela podia se proteger, teve um impacto social positivo. O PT se curvou, e Lula assumiu o compromisso de defender a moeda. E assim o fez ao ser eleito presidente em 2002 e reeleito em 2006.  

Mudança histórica

Edmar Bacha revela alguns dos fatores que mantiveram a inflação sob controle: “O mais importante, creio, é o aumento da concorrência. O Brasil deixou de ser uma economia extremamente fechada e altamente regulada para ser uma economia mais aberta e com um grau de concorrência interna maior. Hoje não é mais tão simples como no passado repassar aumento de custos para preços”, disse em entrevista exclusiva a O TEMPO.  

“Não existe nada mais social, plural, coletivo e nacional do que a moeda. É como um pedaço de cada um de nós, uma materialização ou representação de uma nação. Como a bandeira e o hino”, disse Gustavo Franco na introdução do livro.