Jornal Em Tempo Logo Jornal Em Tempo

Ministro do STF vota em favor de empresa que doou R$ 500 mil à sua campanha eleitoral

Julgamento no Supremo pode abrir precedente que dificulta pagamento de dívidas trabalhistas e gera alerta sobre possível conflito de interesses

Ministro do STF vota em favor de empresa que doou R$ 500 mil à sua campanha eleitoral
Por: EM TEMPO
postado em 14 de agosto de 2025

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino votou, em fevereiro, a favor de uma tese que beneficia diretamente a empresa Alcana Destilaria de Álcool Nanuque S/A, hoje falida e envolvida em um dos mais relevantes julgamentos trabalhistas em curso no país. A decisão chamou atenção não apenas pelo impacto social do caso, mas também por um possível conflito de interesses.

Ministro do STF vota em favor de empresa que doou R$ 500 mil à sua campanha eleitoral

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino - Foto: Ton Molina/STF

O julgamento ganhou contornos políticos após virem à tona informações de que a Alcana, mesmo enfrentando dificuldades financeiras, com pedido de Recuperação Judicial e devendo verbas trabalhistas, teria doado R$ 500 mil à campanha de Flávio Dino ao governo do Maranhão em 2010. A revelação levantou suspeitas sobre um possível conflito de interesses, já que o agora ministro Dino votou favoravelmente à tese que poderia beneficiar a empresa doadora, hoje integrada ao Grupo Bertin.

Ministro do STF vota em favor de empresa que doou R$ 500 mil à sua campanha eleitoral

Empresa com pedido de Recuperação Judicial fez doações milionárias para Dino e PCdoB

Ministro do STF vota em favor de empresa que doou R$ 500 mil à sua campanha eleitoral

Doação de R$500.000,00 para Flávio Dino, candidato ao Governo do Maranhão em 2010

A atuação de Dino, embora não esbarre em impedimentos legais formais, gera críticas de entidades sindicais e de parlamentares da oposição, que cobram mais transparência e isenção na condução do julgamento. Além da Alcana, outra empresa do mesmo grupo econômico — a Cridasa (Cristal Destilaria Autônoma de Álcool S/A) — doou o mesmo valor ao partido do então candidato, o PCdoB, totalizando R$ 1 milhão em doações vindas de um mesmo conglomerado empresarial.

Ministro do STF vota em favor de empresa que doou R$ 500 mil à sua campanha eleitoral

Doação de R$500.000,00 para o PCdoB, partido de Flávio Dino em 2010

Embora as doações tenham sido legais à época — antes da proibição de doações empresariais por decisão do próprio STF, em 2015 — especialistas apontam que o ministro deveria ter se declarado impedido de julgar o caso, a fim de evitar dúvidas sobre sua imparcialidade.

“Não se trata de acusação direta, mas de um alerta sobre como a confiança no Judiciário pode ser abalada por situações que levantem dúvidas sobre isenção”, afirmou um professor de Direito Constitucional ouvido pela reportagem.

Julgamento pode dificultar pagamento de trabalhadores

O julgamento em questão diz respeito ao Recurso Extraordinário 1.387.795, que discute se empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico podem ser incluídas na fase de execução de dívidas trabalhistas, mesmo que não tenham sido rés na fase inicial do processo.

No caso concreto, ex-funcionários da Alcana tentam receber verbas trabalhistas da massa falida. Como a empresa já não possui bens para garantir o pagamento, os trabalhadores buscaram incluir outras empresas do grupo no processo. A medida foi autorizada por todas as instâncias da Justiça do Trabalho, inclusive pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) — mas acabou revertida no STF.

O relator do processo, ministro Dias Toffoli, defende que a inclusão de novas empresas no polo passivo da execução viola os princípios do contraditório e da ampla defesa. Flávio Dino acompanhou esse entendimento, assim como os ministros Cristiano Zanin, Nunes Marques, André Mendonça e Luiz Fux.

Em divergência, os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes defendem uma interpretação mais ampla, permitindo a responsabilização de empresas do grupo econômico mediante o chamado Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), instrumento que garante contraditório e ampla defesa mesmo na fase de execução.

Trabalhadores podem sair de mãos abanando

Se a tese da maioria prevalecer, a decisão pode impactar milhares de processos trabalhistas em curso no país. Em muitos casos, a empresa condenada original já não possui bens ou sequer existe mais, o que torna a responsabilização de outras empresas do grupo a única saída para o pagamento das dívidas trabalhistas.

“Essa decisão, se confirmada, vai gerar um efeito devastador sobre milhares de processos. O trabalhador, que já é a parte mais fraca, corre o risco de sair de mãos abanando mesmo após anos de litígio”, alerta um advogado trabalhista.

Segundo dados da Justiça do Trabalho, milhões de reais em créditos trabalhistas estão pendentes de execução, justamente por dependerem da responsabilização de empresas do mesmo grupo econômico.

Repercussão nas redes e bastidores

O caso também voltou à tona nas redes sociais e em publicações antigas da imprensa, que já alertavam para os vínculos entre Dino e as empresas doadoras. Uma das matérias, publicada em 2010, trazia o título: “Escravagistas sustentaram Flávio Dino em 2010”, destacando que a Alcana havia sido denunciada por trabalho escravo e estava sediada em paraíso fiscal.

A expectativa agora gira em torno do desfecho do julgamento, que pode mudar drasticamente a forma como a Justiça do Trabalho lida com grupos econômicos — e afetar diretamente a vida de milhares de trabalhadores brasileiros.

STF sob pressão

O Supremo Tribunal Federal enfrenta mais uma vez o desafio de equilibrar segurança jurídica empresarial e proteção aos direitos fundamentais. O desfecho do julgamento deverá indicar qual desses valores a Corte considerará prioritário.

Enquanto isso, cresce o debate sobre a necessidade de maior transparência e rigor na atuação dos ministros em casos que envolvam potenciais conflitos de interesse, mesmo antigos.

“A legitimidade do STF depende da confiança pública. Em tempos de desconfiança institucional, os ministros devem zelar não só pela legalidade, mas pela credibilidade das suas decisões”, conclui o professor de Direito.