"Ponta de areia, ponto final,
da Bahia-Minas, estrada natural,
que ligava Minas, ao porto, ao mar,
caminho de ferro, mandaram arrancar".
A Ferrovia Bahia-Minas, imortalizada na canção "Ponta de Areia", de Milton Nascimento e Fernando Brant, foi uma importante linha ferroviária que conectava os estados da Bahia e Minas Gerais, no Brasil. Ela foi inaugurada em 25 de janeiro de 1881, no período imperial, cerca de oito anos antes de dom Pedro II deixar o trono e o Brasil. A ferrovia, essencial para o transporte de madeira e café, impulsionava o comércio, agilizava viagens e promovia o desenvolvimento. Contudo, sua história durou pouco mais de oito décadas, deixando saudades e hoje restando como um eco na paisagem dos vales do Jequitinhonha e Mucuri.
Projeto de cicloturismo traça circuito por leito de ferrovia abandonada, que passa por túneis e cachoeiras - Foto: Alex Gangussu/Divulgação
A linha operava entre os municípios de Caravelas, no litoral sul da Bahia, e Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, cobrindo aproximadamente 600 quilômetros. Durante seus anos de operação, a ferrovia foi essencial para integrar áreas rurais e urbanas, facilitando o comércio e a mobilidade. No entanto, enfrentou desafios como custos elevados de manutenção e concorrência com o transporte rodoviário, que se intensificou nas décadas de 1950 e 1960.
Em 1966, após cerca de 27 anos em operação, a Ferrovia Bahia-Minas foi desativada devido à sua inviabilidade econômica. A decisão marcou o fim de uma era, mas a ferrovia permaneceu viva na memória cultural do país, especialmente por meio da música que celebra sua história.
E o caminho dos trilhos de uma antiga ferrovia pode ser percorrido por ciclistas ou trilheiros em busca de conexão com a natureza. Ao atravessar túneis, pontes e cânions, a região dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri emerge como uma nova opção turística.
No caminho, córregos e cachoeiras garantem um refresco - Foto: Alex Gangussu/Divulgação
Justamente essa história, a estrada de ferro que ligava Araçuaí, interior de Minas Gerais, até o distrito de Ponta de Areia, em Caravelas, na Bahia, volta a entrar nos trilhos. A Rota Bahia-Minas – projeto desenvolvido pelo Sebrae Minas, com o apoio de diversas instituições, tem avançado. Entre os dias 24 e 28 de julho, o Sebrae Minas e o Governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult), promoveram uma famtour que reuniu operadores de turismo dos estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina.
Os visitantes conheceram os atrativos e serviços turísticos do destino, para que possam vender melhor a rota. Por meio de caminhada, pedal e carro, o grupo percorreu 350km entre as cidades de Araçuaí, Novo Cruzeiro, Ladainha, Poté, Teófilo Otoni e Carlos Chagas.
A Rota Bahia-Minas vem sendo desenvolvida pelo Sebrae Minas desde 2018. Ao longo desses anos, foram promovidas capacitações e consultorias sobre design de experiências turísticas, implementação de receptivos, além de ações de inserção no mercado. “Nosso objetivo com a famtour foi o de apresentar a rota para operadores de diversas partes do Brasil que já comercializam destinos nacionais e internacionais. Com isso, esperamos que mais pessoas visitem a região e consumam nos pequenos negócios instalados ali”, destaca Marcelo de Souza e Silva, presidente do Conselho Deliberativo do Sebrae Minas.
Michèle Bruce, da Bike Ativa, de Curitiba, opera pacotes de cicloturismo há 18 anos. “Nossos clientes vão se emocionar muito. Entendemos que a rota vai além de uma viagem para ser feita de bicicleta, é um destino de experiência. A rota tem um grande diferencial que são as pessoas e as suas histórias”, observa.
Segundo o presidente da Associação de Empreendedores da Rota Turística Bahia-Minas, Wender Márcio, quem percorre a rota vive uma experiência de resgate da simplicidade e da brasilidade que ainda resiste no interior. “Mostramos para as agências o potencial turístico dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Quem visita nossa região encontra diversidade cultural, boas histórias, gastronomia e belezas naturais.”
A reativação do trecho da Rota Bahia-Minas começou em 2018, quando o Sebrae Minas apresentou um projeto de desenvolvimento regional que unisse municípios dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Por meio do programa ‘Check-in Turismo’ foram realizadas ações para a qualificação de empreendedores da região, para que pudessem oferecer melhores experiência aos turistas, atrair novos visitantes e gerar emprego e renda para as cidades.
Neste ano, a Rota é semifinalista no Prêmio Braztoa de Sustentabilidade, que reconhece e impulsiona práticas inovadoras e responsáveis de turismo em todo o Brasil. Os vencedores serão anunciados em dezembro. “Minas nasce no Norte, nos fluxos ancestrais que desciam pelos rios São Francisco e Jequitinhonha, nas trilhas abertas pelos povos originários e pelos primeiros povoamentos vindos da Bahia. A Rota Bahia-Minas é mais do que um percurso: é uma travessia simbólica que reconecta territórios históricos por meio da natureza viva e da memória que resiste em cada paisagem, em cada comunidade. Celebrando os Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, esse projeto revela que a cultura e o turismo, juntos, não são apenas políticas públicas, mas caminhos profundos de pertencimento, identidade e desenvolvimento humano, social e econômico”, destaca o secretário de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais, Leônidas de Oliveira.
350km de paisagens e histórias
O percurso da Rota Bahia-Minas reúne edificações históricas, como vilas, capelas, igrejas, estações e fazendas. A maior parte delas ainda está de pé, bem como dezenas de casas erguidas para os funcionários da antiga ferrovia.
Um dos atrativos são os caminhos abertos por trechos de poucos aclives e declives - Foto: Alex Gangussu/Divulgação
O caminho também tem diversos pontilhões de ferro fundido, hoje adaptados para o tráfego de automóveis ou abandonados, mas mantendo muitas das suas características únicas, além de túneis centenários, riachos, lagoas, cachoeiras, e grandes formações rochosas, resultantes de milhões anos de ação da natureza.
Pela rota é possível apreciar a transição do bioma da caatinga para a mata atlântica. O turista encontra diferentes espécies de flora e fauna. Essa mistura também é sentida pela variação climática, aspectos que favorecem a prática do ecoturismo.
A rota é considerada intermodal, podendo ser feita por bike, caminhada, moto, carro ou até mesmo a cavalo.
A riqueza do Vale
O roteiro começa em Araçuaí, que abriga a última estação da estrada de ferro, finalizada em 1942. Por lá o turista encontra o Museu de Araçuaí, que conta um pouco da história do Vale do Jequitinhonha. O espaço foi criado por Frei Chico e pela artista Lira Marques, com a missão de revelar que a riqueza do território não está embaixo da terra, mas sim nas pessoas. No acervo tem objetos e documentos que registram a religiosidade, os usos, costumes e ofícios populares.
A Rota Bahia-Minas vem sendo desenvolvida pelo Sebrae Minas desde 2018 - Foto: Alex Gangussu/Divulgação
Aline Sena é educadora do espaço e conta como a rota ampliou a oportunidade para difundir a história local. “Agora as pessoas daqui se veem e se sentem parte da história. É uma valorização local muito importante. O museu antes ficava fechado, agora implementamos bilheteria e conseguimos contratar uma funcionária para que o espaço fique aberto.”
Do museu, o turista segue para a estação de Engenheiro Schnoor, onde é possível apreciar trechos de estrada abertos entre as formações rochosas, conhecidas como cortes de pedras. O próximo destino é o distrito de Queixada, em Novo Cruzeiro, onde é possível apreciar iguarias típicas da região, preparadas no fogão de lenha da pensão da Dona Luiza. Já dentro da cidade, o destaque é o tradicional pastel.
Em Ladainha, as quedas d’água em meio à Mata Atlântica ajudam a relaxar e renovar as energias. A antiga estação de trem do município foi transformada em um ateliê pelo artista plástico Maelson Nunes.
Já em Poté fica a comunidade de Sucanga, onde está localizada a estação inaugurada em 1927, e que ainda conserva suas características originais. De lá, os visitantes seguem rumo à estação de Valão. A próxima cidade é Teófilo Otoni.
Paixão como oportunidade de negócio
As antigas estações ferroviárias servem de ponta de apoio para os visitantes - Foto: Alex Gangussu
Em Pedro Versiani, zona rural de Teófilo Otoni, o turista encontra o Sítio Pé na Roça. Lá é possível conhecer a coleção de bicicletas do empreendedor Celso Souza. Na propriedade, ele criou o museu “As Kalanga Véia”, e também um receptivo de apoio, onde é servido café, bolos, quitandas e água de coco. Amante do ciclismo, reuniu um acervo de mais de 90 bicicletas separadas por tipos: mountain bike, para asfalto e exóticas.
Lugar de encantamento
Em Minas Gerais, a rota é finalizada no município de Carlos Chagas, que abriga a comunidade de Francisco Sá em seu território. Lá, os turistas são recebidos pelo Grupo Teatral Dramedia, que apresenta a peça “Trilhos de um Destino: A Força do Homem e do Vapor”. A peça é embalada por canções e histórias sobre José Joaquim de Amorim, construtor responsável pela ferrovia e a Estrada de Ferro Bahia-Minas.
Ainda em Francisco Sá o turista encontra a Rocinha Pouso e Café, opção de hospedagem e também um lugar para saborear a gastronomia da região. O empreendimento é gerenciado por Giovana Amorim, que tem sua vida entrelaçada com a Bahia-Minas.
Ao se aposentar das salas de aula, ela decidiu voltar às raízes da família. Junto com seu esposo e filho, abriu espaço em sua propriedade para hospedagem familiar, e passou a oferecer almoço com a típica carne de sol e também café e quitandas. como a empadinha de frango. “A receita é seguida à risca em nossa família, minha bisavó preparava, minha mãe vendia para os passageiros do trem e hoje eu mantenho a tradição servindo para os turistas”, conta Giovana. Segundo a empreendedora, no último ano mais de 100 turistas passaram pelo negócio familiar.
Viva a Bahia-Minas
Para conhecer mais, acesse o site www.rotabahiaminas.com.br e acompanhe as dicas de viagem, programação de eventos, indicações de meios de hospedagens e lugares para saborear a gastronomia da região.
Informações e agendamento pelo (33) 99985-2687 – Operadora Conexões.